Descubra a História por Trás das Mudanças o-ue e e-ie em Verbos Espanhóis

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Primeiramente, por que existe essa mudança em espanhol?

Por conta da distinção que já se perdeu entre vogais longas e curtas na evolução do latim para as línguas românicas modernas, em latim, as vogais longas também eram, naturalmente, tensas, enquanto as vogais curtas também eram mais relaxadas. O que faz sentido, visto que para manter uma vogal loooooonga, os músculos da boca teriam de ser mais tensos do que para dizer uma vogal curta, e bem mais relaxada. Quando as vogais foram reduzidas de 10 em latim para 5 em espanhol, aconteceram "coisas"; e dentre essas coisas, até uma fase onde chegaram a existir duas vogais que tinham uma qualidade fechada ou aberta ... como no português. Coincidência? Acho que não. Vários idiomas como o português e o catalão, de fato, pararam nessa fase da evolução e ficaram com 7 vogais orais onde o "o" e o "e" curtos do latim viraram "o" e "e" abertos e os equivalentes longos em latim ficaram fechados nos dois idiomas. O espanhol foi um passo além e simplificou o sistema para apenas 5 vogais orais, sem distinção de abertura.

Como foi a evolução do espanhol?

Na transição final do latim para o espanhol, o “o” longo (e o “e” longo) ficou igualzinho, sem alteração, mas o “o” curto (e o “e” curto) se tornou -ue- (ou -ie- no caso do "e" mas também só -i- em alguns verbos como pedir) quando faz parte de uma sílaba tônica, como no adjetivo bueno. Porem, fica com um -o-, sem alteração, quando faz parte de uma sílaba não tônica, por exemplo, no substantivo bondad (o "o" não faz parte da sílaba tônica). Este padrão, portanto, também afetou muitíssimos verbos no idioma - por isso é frequentíssimo de se ver/ouvir. Esses verbos alteram suas bases porque elas contêm um desses “o” (ou “e”) que vêm do “o” (ou “e”) curto do Latim, desde que façam parte da sílaba tônica na palavra. Em termos práticos, isso quer dizer que verbos em espanhol como poder, doler, volar (ou tener, perder, entender) e outros verbos com essa base variável, usam -ue- (ou -ie-) nas formas da conjugação onde a sílaba com “o” (ou “e”) tem ênfase. Por exemplo: puedo, puedes, puede, pueden (ou tiene, tienes, tiene, tienen). Quando o "o" (ou o "e"), que vem da vogal curta do Latim, fica numa sílaba diferente da tônica, não acontece essa alteração: poder, podés, podemos (ou tener, tenés, tenemos).

É possível determinar quais verbos vão mudar?

Em suma, não é possível dizer se um verbo terá uma base que evoluiu do "o"/"e" longo ou curto do latim, e como consequência, não saberemos dizer quando é que um verbo vai mudar na base só olhando para ele na forma do infinitivo. Existem listas para ajudar as pessoas a lembrarem os casos mais comuns, mas não existe uma "regrinha". Porém, com certeza não se trata apenas de algo aleatório; tem, sim, uma explicação lógica por trás disso. Existe um truque em inglês que chama esses verbos de “shoe verbs” porque as mudanças ficam só dentro do “sapato”, deixando as vogais sem alteração fora dele. Ver foto abaixo (fonte: ibit.ly/h9cj).

Dado que esta mudança de vogais longas e curtas do latim para o espanhol aconteceu faz vários séculos, não faz sentido nenhum pronunciar palavras como "*Cueca Cuela" ou outras palavras inventadas sem justificativa nenhuma. Por esse mesmo motivo "venezuelano" em espanhol não soa bem para nossos ouvidos hispanofalantes, pois a sílaba tônica fica na sílaba -la-: em espanhol é "venezolano", mas Venezuela, com mudança de -o- para -ue- por conta da sílaba tônica. O nome da Venezuela vem da "Venecia" italiana + "-uela" (pequena), pelo parecido com os canais quando foi habitada originalmente pelos espanhóis.

E em português, como funciona?

Outras línguas da família também tiveram mudanças semelhantes, mas as mudanças nem sempre são visuais como em espanhol. Em romeno, a mudança por vezes alterna entre “o” e “oa” como no exemplo foarte (muito), poarta (portão) creioane, (lápis), mas creion (lápis), fortificație (fortificação), e portar (porteiro). Existe pelo menos outro par que alterna entre “e” e “ea” nessa mesma língua. Em português, bem como em catalão, a mudança é fonética/auditiva. Por exemplo, em português o “o” (ou “e”) é realizado como som aberto ou fechado, dependendo da sílaba em que a tensão “cai”: ele de (com ó aberto) vs. nós podemos (com ô fechado) e ele de (com é aberto) vs. nós pedimos (com ê fechado). Esse tipo de mudanças na evolução de um idioma românico é mais comum do que as pessoas acham e também aconteceram mudanças semelhantes em francês (feu, pied, il meurt, nous mourons), italiano (fuoco, piede, buono, pietà), e outras línguas românicas em contextos que podem diferir do espanhol. No latim, estes ditongos específicos (eu, ie, ou, uo) não faziam parte do idioma, senão que foram inovações linguísticas.

Não é tão ruim assim!

Então, como você pode ver, também não é possível para um aprendiz do português saber quando o “o” ou o “e” vão ser realizados como sons abertos ou fechados em verbos a partir apenas de um simples olhar. Pelo menos em espanhol, como você conferiu, além de ouvir a alteração, você também pode ver essa mudança de -o- para -ue- ou de -e- para -ie-.

Livros ou sites consultados: 
  • Key Issues in the Teaching of Spanish Pronunciation, Editado por Rajiv Rao
  • The Oxford Guide to the Romance Languages, Editado por Adam Ledgeway & Martin Maiden
  • https://second.wiki/wiki/evolucic3b3n_fonc3a9tica_y_fonolc3b3gica_del_latc3adn_al_castellano
  • https://spanish.stackexchange.com/questions/22459/when-did-the-spanish-language-lose-the-long-vowel-sounds-that-latin-had
  • http://spanishlinguist.us/2013/05/how-latin-vowels-became-spanish/
  • https://forum.duolingo.com/comment/12377441/Vocales-abiertas-y-cerradas 
  • https://geiec.iec.cat/capitol_veure.asp?id_gelc=467&capitol=1
  • Créditos da foto: https://www.antonioluna.org/2013/10/mas-ejercicios-ecologicos.html 

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